As polêmicas sobre a simplificação dos jogos de luta inundaram as redes sociais nos últimos dias – parte devido ao controle moderno lançado no Street Fighter 6, parte devido a uma decisão ousada dos desenvolvedores de Granblue Fantasy Versus: Rising de igualar as condições entre os comandos técnicos e simplificados.
Antes de tudo, é bom falar um pouco sobre minha experiência em jogos de luta. Desde a década de 90 eu joguei diversos títulos de jogos de luta – inclusive, iniciando a minha experiência com uns dez ou onze anos jogando o The King of Fighters ’94 num fliperama perto de casa. Ou seja, eu posso dizer que sou um gamer de longa data – não necessariamente bom, vale a nota.
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Com isso, pude acompanhar o desenvolvimento de diversos jogos de luta na história – alguns deles considerados parte dos melhores títulos desenvolvidos na história dos fighting games. Street Fighter Alpha, Tekken 3, Ultimate Mortal Kombat 3 e The King of Fighters ’98 foram títulos que acompanharam minha infância e adolescência.
Eu conseguia fazer os comandos técnicos? Na maior parte das vezes, não. Mesmo um Hadouken (o clássico quarto de lua pra frente, mais soco) me era oneroso, e eu ficava a esfregar os botões e comandos de forma desesperada para tentar executar alguma coisa. Com isso, salvo uma ou outra exceção, eu geralmente perdia para os veteranos. Havia uma diferença técnica abissal entre o que eu fazia e o que meus oponentes veteranos conseguiam realizar. Porém, diferença amenizada porque meus amigos de idades próximas também não eram mestres da execução de comandos.
Com o tempo, fui melhorando. Todavia, isso foi com o passar dos anos. Ainda me lembro, em 2007, quando eu era professor de informática, e fui com outros colegas num fliperama perto do meu local de trabalho. Durante uma partida de The King of Fighters ’98, eu arranquei várias fichas não só dos meus colegas professores, mas também de outros jogadores. E eu, curiosamente, não conseguia fazer muitos combos, apenas ficava a punir as tentativas desastradas dos meus adversários.
Veja: eu ainda era ruim de execução básica de comandos quase uma década após o lançamento do game.
A minha maior evolução nos jogos de luta ocorreu no criticado Street Fighter V, o jogo que senti que eu poderia ir além do que eu estava fazendo até aquele momento. Me arrisquei com diversos personagens desde o lançamento – Karin, Rashid, Laura, Kolin e Ed foram alguns dos que me arrisquei. Porém, foi na personagem que sofria mais preconceito, devido às suas execuções com o apertar de apenas dois botões, que me achei no jogo: Falke.
Se passaram quase duas décadas desde o KOF 98, e eu ainda tinha uma execução medíocre.
Falke supriu a lacuna da execução técnica, e com o suporte do meu amigo Senienne (um mestre com a personagem e, com certeza, muito melhor do que eu), eu consegui evoluir não apenas na questão de execução, mas também na mental. Talvez eu seja o melhor jogador entre os meus amigos, mas nem de perto chego ao topo, ocupado por muitos veteranos que tive o prazer de conhecer e enfrentar. Ainda assim, a parte mais importante estava resolvida: a diferença entre eles e eu já não era mais abissal.
Hoje eu tenho 39 anos. Se passaram quase 30 anos desde que eu coloquei as mãos num controle de fliperama para, desastrosamente, perder minha ficha no KOF 94. Se hoje eu ainda jogo games de luta, foi porque eu persisti apesar da minha inabilidade.
Todavia, há uma ressalva: na minha infância, os jogos mais populares eram os jogos de luta. Havia fliperamas por quase toda a cidade, e em sua maioria eram jogos de luta. Ou seja, se você queria jogar um jogo, basicamente você era forçado a jogar um jogo de luta ou, eventualmente, tentar um beat’em up, como Cadillacs and Dinosaurs, Final Fight e afins.
Atualmente, os jogos de luta não são os mais populares. Com uma execução muito mais simples, os MOBA (Multiplayer Online Battle Arena) e jogos de tiro passaram à frente, como Fortnite, Overwatch (que, inclusive, foi premiado como o melhor jogo do ano em 2016), e League of Legends. Ou seja, a base de jogadores de jogos de luta diminuiu vertiginosamente. Sobraram diversos veteranos, como eu, já quase quarentão.
Os jogadores jovens, ao contrário de mim quando eu estava na mesma faixa etária, tinham o alcance da internet para assistir aos confrontos complexos realizados pelos monstros da comunidade de jogos de luta – como o vídeo abaixo do Daigo, o “EVO Moment 37”.
Todavia, uma coisa é ficar maravilhado por uma jogada marcante como esta, e outra é conseguir realizá-la. Nisso, o jovem, que não conseguia imitar tamanha proeza, era escanteado pelos veteranos, muito melhores e mais experientes.
As desenvolvedoras ligaram o alerta: não poderiam esperar que esses players jovens tivessem a persistência de décadas para se aprimorarem nos jogos de luta. Tal decisão provavelmente feriria o ego dos veteranos, mas facilitaria para jogadores novatos entrarem num terreno consideravelmente arenoso: reduzir a dificuldade na realização de comandos.
Eu, mesmo veterano, fui um dos beneficiados: a Falke e o Ed, no Street Fighter V, talvez tenham sido uma forma de “teste” da Capcom nesse processo de inclusão. Críticas à minha escolha de personagem, muitas delas preconceituosas, vieram em seguida – e parecidas com as que os jogadores de Street Fighter 6 no controle moderno recebem. Todavia, eu já conseguia me divertir sem a frustração de conseguir executar os comandos mais complexos. E é exatamente nesse ponto que entra a inclusão desses players novatos: eles podem realizar os movimentos especiais de um personagem com uma facilidade muito maior.
O caminho seguido pelo Granblue Fantasy Versus: Rising não é inédito. Também produzido pela Arc System, DNF Duel também conta com comandos simplificados que não apresentam quase qualquer diferença em relação aos comandos técnicos – inclusive, na lista de movimentos dos personagens, são poucas as menções ao comando técnico, numa clara iniciativa de estimular a entrada de novos jogadores de jogos de luta.
Vale ressaltar que os fundamentos de um jogo de luta vão muito além da simples execução de golpes e técnicas – e aprendi muito disso com o Senienne. Tal como uma luta real, há diferenças entre uma briga de bar e uma luta num octógono de MMA, e isso envolve a compreensão de movimentos seguros e inseguros, posicionamento neutro e tudo o mais. Para se ganhar tal noção, pouco importa se os comandos são técnicos ou simplificados. E considerando que todos querem jogar seu jogo preferido, é preferível ter mais jogadores, independentemente do tipo de controle escolhido, do que poucos players, numa base de jogadores envelhecida.
Se hoje eu consigo jogar fighting games com alguma qualidade, muito disso veio devido à iniciativa de comandos simplificados. Porém, acho que o melhor exemplo para finalizar esta postagem vem do DioRod, um dos maiores entusiastas de jogos de luta na comunidade, e seu filho, nesta postagem abaixo.